Alimentação é uma aliada na saúde mental e isto é o que a evidência diz

Além do impacto na saúde física e composição corporal, saiba o que diz a evidência sobre alimentação e saúde mental.

As patologias do foro psicológico tornaram-se, nos últimos anos, num grave problema de saúde pública a nível mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê inclusive que no presente ano de 2020, esta se trate da segunda maior causa de incapacidade, logo a seguir à doença cardiovascular (1).

Segundo dados nacionais, mais de 1/5 dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9%), sendo a ansiedade a mais prevalente (2).

Tratam-se de patologias que comprometem severamente a qualidade de vida e bem-estar, sendo crucial encontrar novas formas de prevenção ou de otimização do tratamento.

A evidência é cada vez mais consistente em mostrar que, para além do impacto na saúde física e composição corporal, a alimentação assume um papel crucial também na saúde mental. Aquilo que ingerimos vai ter implicações na nossa capacidade cognitiva, memória e emoções.

Saiba neste artigo de que forma é que a alimentação e saúde mental se relacionam, e qual o seu impacto na depressão e ansiedade.

ALIMENTAÇÃO E SAÚDE MENTAL: O QUE DIZ A EVIDÊNCIA

A evidência tem demonstrado que a alimentação pode ser uma aliada na saúde mental, sendo crescente a evidência relativa à importância da “nutrição psiquiátrica”, quer como fator preventivo quer como coadjuvante no tratamento (3).

As possíveis explicações para esta associação envolvem a relação de determinados nutrientes, como os ácidos gordos ómega 3, zinco, magnésio, vitaminas do complexo B e fitonutrientes com a otimização da função cerebral; o papel da alimentação na modulação da microbiota intestinal, o conjunto de bactérias presentes no nosso intestino, que se sabe cada vez mais estar relacionado com o funcionamento cerebral; bem como através da capacidade dos alimentos modularem o estado de inflamação crónico de baixo grau, presente neste tipo de patologias (4).

Hortofrutícolas

O consumo de frutas, em particular as cítricas, banana, maçã, kiwi e os frutos vermelhos, assim como de hortícolas, com destaque para os vegetais de folha verde, tem sido dos mais implicados na saúde mental, parecendo estar associado a maiores níveis de otimismo e proteção contra sintomas depressivos.

A sua riqueza em vitaminas, minerais, fibra e compostos antioxidantes pode explicar o seu carácter protetor a este nível, para além de todos os outros benefícios para a saúde já bem demonstrados.

Desta forma, a recomendação já conhecida para o consumo de pelo menos 5 porções de frutas e hortícolas por dia é agora reforçada, pelo seu impacto benéfico no bem-estar psicológico (5).

Peixe

A ingestão de peixe, particularmente em mulheres, parece estar associada a uma menor incidência de quadros depressivos, existindo evidência de uma relação de dose-resposta, ou seja, dependente da quantidade de peixe consumo, sendo este risco diminuído em 6% por cada porção de peixe consumido (6, 7).

Esta relação poderá dever-se, em parte, ao teor de ácidos gordos ómega 3 dos peixes gordos (como a cavala, sardinha, salmão e atum). O ómega 3 apresenta um carácter anti-inflamatório, sendo também essencial na manutenção da integridade e fluidez das membranas celulares, fator crucial para os processos de neurotransmissão e sinalização celular que ocorrem no nosso cérebro (8).

Já a suplementação de ómega 3 como coadjuvante no tratamento da depressão ainda é controversa, apesar de promissora. A evidência aponta para uma maior eficácia da mesma quando a proporção de ácido eicosapentaenóico (EPA) é ≥60% face à dose de ácido docasahexaenóico (DHA) (8, 9).

Padrão Alimentar Mediterrânico

Uma alimentação baseada no Padrão Alimentar Mediterrânico, que promove o consumo de cereais integrais, hortofrutícolas, gorduras insaturadas (como as presentes no azeite e nos frutos gordos e oleaginosos) e um consumo moderado de carne, peixe e laticínios, tem sido frequentemente associada a um menor risco de depressão e melhoria da sintomatologia nos indivíduos que já apresentem a patologia bem como dos níveis de ansiedade em indivíduos com depressão major (10).

FATORES DE RISCO ALIMENTARES PARA A SAÚDE MENTAL

1.      Deficiência de nutrientes

Existe uma forte relação entre o défice de determinados nutrientes e um prejuízo da saúde mental, com particular destaque para as vitaminas do complexo B como a vitamina B12 e o ácido fólico, também designado de vitamina B9 (6).

Uma possível explicação reside no facto de níveis baixos de B12 e B9 estarem associados a níveis elevados de homocisteína, um aminoácido relacionado com o stress oxidativo e danos ao nível do DNA (8).

A vitamina B12 pode ser encontrada em alimentos de origem animal como as vísceras, carne, peixe, ovo e laticínios, enquanto que o ácido fólico surge predominantemente nos vegetais de folha verde como o agrião, espinafres e couve lombarda, assim como nas leguminosas e na beterraba.

A deficiência em Vitamina D também parece estar associada a um aumento do risco de depressão, uma vez que está envolvida na regulação dos níveis de serotonina, um neurotransmissor associado ao nosso bem-estar psicológico e por isso um dos alvos terapêuticos de fármacos antidepressivos. Embora presente em alimentos como a sardinha, salmão, dourada e o ovo, a principal forma de obtenção de vitamina D é através da exposição solar.

Também uma baixa ingestão de magnésio e baixos níveis séricos deste mineral parecem estar associados a um aumento significativo do risco de depressão, embora os mecanismos que justificam esta relação ainda não estejam bem definidos (6). Este mineral pode ser encontrado em maiores quantidades nos frutos gordos e oleaginosos como a amêndoa, caju e o pinhão, cereais como a aveia, trigo e centeio e leguminosas (11).

2.       Alimentação pró-inflamatória

Existe evidência, proveniente quer de estudos animais quer em humanos, de que um padrão alimentar tipicamente ocidental, com um consumo elevado de produtos processados ricos em açúcares simples e gorduras saturadas e trans, farinhas refinadas e carne vermelha e processada, está associado a um estado promotor de inflamação, com prejuízo da memória e aumento dos níveis de ansiedade e de sintomas depressivos. Estas associações parecem ser mais expressivas em indivíduos com excesso de peso e obesidade (6).

Importa ressalvar que a depressão e as demais patologias do foro psicológico apresentam uma origem multifatorial, desde a genética, o ambiente, personalidade e desequilíbrios bioquímicos e que, como tal, exigem uma abordagem multidisciplinar.

O tratamento deve resultar de um conjunto de terapias promotoras de saúde e bem-estar geral do indivíduo, desde a orientação médica, psicológica, alimentar e/ou de atividade física, ajustadas às especificidades de cada caso.

EM SUMA

Uma alimentação variada, com carácter anti-inflamatório e baseada nos princípios da Dieta Mediterrânica, associada a um aporte reduzido de alimentos processados, ricos em gorduras saturadas e trans e açúcares simples, parece, para além de todos os benefícios já conhecidos na saúde física e prevenção de patologias relacionadas com a alimentação, promover também a saúde mental, contribuindo para assim para um maior bem-estar e saúde geral.

  1. Qingyi Huang et al. (2019). Antioxidants. Linking What We Eat to Our Mood: A Review of Diet, Dietary Antioxidants, and Depression.
  2. Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Perturbação Mental em Números. Disponível em: https://www.sppsm.org/informemente/guia-essencial-para-jornalistas/perturbacao-mental-em-numeros/
  3. Adan, RAH. et al. (2019. European Neuropsychopharmacology . Nutritional psychiatry: Towards improving mental health by what you eat.
  4. LaChance, RL. and Ramsey, D. (2018). World J Psychiatr. Antidepressant foods: An evidence-based nutrient profiling system for depression.
  5. Dominika Gła˛bska et al. (2020). Nutrients. Fruit and Vegetable Intake and Mental Health in Adults: A Systematic Review.
  6. V, t. et al. (2020) Int. J. Environ. Res. Public Health. Evidence of the Importance of Dietary Habits Regarding Depressive Symptoms and Depression.
  7. Qingyi Huang et al. (2019). Antioxidants. Linking What We Eat to Our Mood: A Review of Diet, Dietary Antioxidants, and Depression.
  8. Gelinda Deacon,, et al. (2017). Critical Reviews in Food Science and Nutrition. Omega 3 polyunsaturated fatty acids and the treatment of depression.
  9. Yuhua Liao et al. (2019). Translational Psychiatry. Efficacy of omega-3 PUFAs in depression: A meta-analysis.
  10. Gibson‑Smith, D. et al (2020). Association of food groups with depression and anxiety disorders. European Journal of Nutrition.
  11. http://portfir.insa.pt/

Por: Nutricionista Maria Inês Cardoso